Entrevistas

As lawtechs levam tecnologia ao mundo jurídico

Startups especializadas em direito querem desburocratizar os procedimentos legais

POR BÁRBARA NÓR – 8/12/2017 17:12

Depois do boom das fintechs, as startups de tecnologia que surgiram para atuar no mercado financeiro, chegou a vez de outro setor tradicional passar por mudanças: o da advocacia. As chamadas legaltechs ou lawtechs, empresas que juntam as novas tecnologias para prestar serviços na área de direito, vêm crescendo no Brasil. E até a tradicional Organização dos Advogados do Brasil, de São Paulo, abriu uma comissão própria para esse tipo de companhia.

Desde sua primeira assembleia em outubro deste ano, a recém-fundada Ab2l, Associação Brasileira de Lawtechs e Legaltechs, já reuniu 80 empresas do ramo, e espera triplicar este número em 2018. “Estamos muito ativos, participando de conferências, debates e hackathons”, diz Bruno Feigelson, advogado e um dos fundadores da Ab2l. “Esse movimento é também uma mudança cultural, com bandeiras como menos hierarquia, mais igualdade de gênero e racial, tudo isso impulsionado pela tecnologia”, diz. Entre os tipos de serviço que as lawtchs se propõem a prestar estão a mediação e acordos online, mecanismos para tentar prever decisões judiciárias e inteligência artificial para ajudar na tomada de decisões, além da automação de processos e contratos. A ideia não é substituir o advogado, mas dar conta das atividades repetitivas e processuais com mais eficiência.

Potencial enorme

O mercado brasileiro de direito tem um grande potencial para a atuação das lawtechs. Estão tramitando na justiça 102 milhões e processos e o país gasta 1,3% do PIB com esse setor, de acordo com o levantamento Justiça em Números, feito pelo Conselho Nacional de Justiça. E é exatamente a lentidão do sistema judiciário um dos fatores que contribuem para que iniciativas para automação de processos ganhem fôlego.

Quem sentiu isso na pele foi Maxime Troubat, francês especialista em comunicação e marketing, que mora em São Paulo há dois anos. O problema aconteceu quando ele tentou conseguir um CNPJ para montar sua empresa de marketing. “Foram mais de dois meses para conseguir e tive que pedir ajuda a amigos brasilieros”, diz Maxime. A burocracia foi tanta que veio uma ideia: por que não fazer um serviço para automatizar esses procedimentos? Ele se juntou a dois advogados, o francês Adrien Millat e o brasileiro Felipe Novak e criou um serviço para que esses processos pudessem ser feitos online.

Foi assim que surgiu o Juridoc, voltado para a gestão de formalidades administrativas e elaboração de documentos legais de pequenas e médias empresas. O sistema é capaz de gerar em menos de 10 minutos um documento legal personalizado, que pode ser assinado pelo smarthphone.

Além disso, o site oferece um passo a passo para abrir uma empresa e, se a pessoa quiser, pode autorizar a Juridoc a fazer isso para ela, serviço também prestado online. A estimativa é que a economia de abrir uma empresa pelo sistema seja de 90% em relação ao procedimento tradicional. “Para o próximo ano, queremos levantar fundos e desenvolver aplicações de inteligência artificial para melhorar nossas soluções”, afirma Maxime. Segundo ele, sistemas como o Juridoc são complementares ao trabalho do advogado, e não substitutos. “Não oferecemos conselhos jurídicos e temos mesmo cerca de 30 advogados parceiros do serviço”, diz.

Mais proximidade

Diminuir a distância entre o público e o mundo do direito é, aliás, a proposta de outra dessas empresas, a Dubbio, fundada em 2016, em Belo Horizonte (MG) por Tomaz Chaves. “Existe um grande abismo entre o cidadão comum e o conhecimento jurídico”, diz Tomaz. Na plataforma, as pessoas fazem perguntas a respeito de seus direitos e procedimentos legais e recebem respostas dos advogados cadastrados no site. A ideia é que os próprios advogados alimentem o site com seus artigos, e atraiam assim novos clientes. Já foram mais de 1 milhão de consultas desde criação do site, com 5 000 advogados cadastrados na plataforma, dos quais 200 pagam um plano para acessar possíveis clientes

Muitos ainda se perguntam quantas dessas novas empresas ficarão no longo prazo. “A taxa de mortalidade de startups em geral é alta”, diz Bruno, da Ab2l. Mas,a tendência de unir tecnologia e direito é um fato incontornável. E há empresas que atuam nesse modelo há alguns anos. Fundada em 2011, a Concilie foi uma das primeiras lawtechs. Ela funciona como uma ponte para fazer conciliações online, sem precisar levar casos à justiça. Seus principais clientes são grandes empresas, mas a startups também tem serviços para pessoas físicas, que, normalmente, procuram o site para resolver questões ligadas ao direito do consumidor.

“No Brasil leva-se um ano e meio para concluir um processo”, diz Agostinho Simões, CEO da Concilie, no Rio de Janeiro. “Nossa plataforma faz sucesso porque economiza tempo e dinheiro para ambas as partes”. A economia com o uso do site seria de cerca de 70% e já foram mais de 300 000 conciliações feitas desde então. Agora, com as mudanças propostas na reforma trabalhista, a Concilie enxerga uma oportunidade de expandir sua área de atuação. “Com as soluções de conflitos trabalhistas flexibilizadas, a conciliação online pode crescer nessa área”, diz Agostinho.

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